sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A História do Instrutor



Era uma vez, a menos de mil milhas daqui, um pobre lenhador viúvo que vivia com sua pequena filha. Todo dia ele costumava ir às montanhas cortar lenha que trazia para casa e a atava em feixes. Então, depois da primeira refeição, caminhava até o povoado mais próximo, onde vendia a lenha e descansava um pouco antes de voltar para casa. 

Um dia, ao chegar em casa já muito tarde, a menina lhe disse: - Pai, às vezes desejo que pudéssemos ter uma comida melhor, com mais fartura e variedade de coisas para comer. 

- Está bem minha filha - falou o velho - amanhã me levantarei mais cedo do que costumo, irei mais LONGE nas montanhas, onde há mais madeira, e trarei uma quantidade muito maior que a de costume. Chegarei em casa mais cedo, enfeixarei a lenha mais depressa, e irei ao povoado vendê-la para que possamos ter mais dinheiro. E lhe trarei toda espécie de coisas deliciosas para comer. 

Na manhã seguinte, o lenhador se levantou antes da aurora e partiu para as montanhas. Trabalhou arduamente cortando e empilhando lenha, que amarrou num enorme feixe e carregou nos ombros até sua cabana. Quando chegou em casa, era muito cedo ainda. Colocou sua carga de lenha no chão è bateu à porta dizendo: 

- Filha, filha, abra a porta, pois tenho fome e sede e preciso comer alguma coisa antes de ir ao mercado. Mas a porta estava trancada. O lenhador estava tão cansado que se deitou no chão e logo adormeceu profundamente, ao lado do feixe de lenha. A menina tendo esquecido completamente a conversa da noite anterior, ainda dormia. Horas depois, quando o lenhador acordou, o sol já estava alto. Bateu novamente à porta dizendo: 

- Filha, filha venha logo. Preciso comer alguma coisa e ir ao mercado vender a lenha, pois já é muito mais tarde do que costumo ir. Mas, havendo esquecido completamente a conversa da noite anterior, a menina já havia se levantado, arrumara a casa e saíra para uma caminhada. Trancara a porta supondo, em seu esquecimento, que o pai ainda estivesse no povoado. 

Então o lenhador pensou consigo: "Já é tarde demais para ir ao povoado. Portanto, voltarei às montanhas e cortarei um outro grande feixe de lenha, que trarei para casa e, assim, levarei ao mercado amanhã uma carga dobrada”. Durante todo aquele dia o velho homem trabalhou arduamente nas montanhas, cortando e enfeixando lenha. 

Já era noite quando chegou em casa com a lenha nos ombros. Depositou o fardo atrás da casa, bateu à porta e disse: - Filha, filha, abra a porta, pois estou cansado e não comi nada o dia inteiro. Tenho dupla carga de lenha que espero levar amanhã ao mercado. Preciso dormir bem esta noite para recuperar as forças. Mas não houve resposta. 

A menina estava com muito sono ao chegar em casa. Havia preparado sua comida e se deitara. A princípio ficara preocupada com a ausência do pai, mas concluiu que ele tinha resolvido passar a noite no povoado. O lenhador, cansado, faminto e com sede, vendo que não podia entrar em casa, deitou-se mais uma vez ao lado dos fardos de lenha e adormeceu profundamente. Embora preocupado com o que pudesse ter acontecido à sua filha, não conseguiu se manter acordado. 

Na manhã seguinte, devido ao frio, à fome e ao cansaço, o lenhador acordou muito cedo, antes mesmo do dia clarear. Sentou-se e olhou à sua volta, mas não podia ver nada. Aconteceu uma coisa estranha. O lenhador pensou ouvir uma voz que dizia: - Depressa! Depressa! Deixa a tua lenha e vem por aqui. Se necessitas muito e desejas pouco, terás um alimento delicioso!

 O lenhador se levantou e caminhou em direção à voz. Andou e andou, mas nada encontrou. Já então sentia mais frio, fome e cansaço do que nunca e estava perdido. Estivera cheio de esperança, mas isto não parecia  tê-lo ajudado. Ficou triste e sentiu vontade de chorar. Mas percebeu que chorar em nada o ajudaria. Então, deitou-se e adormeceu. Logo acordou novamente, pois fazia muito frio e ele sentia demasiada fome para poder dormir.

 Decidiu então narrar para si mesmo, como se fosse um conto, tudo o que lhe havia acontecido desde que a filha lhe dissera que desejava um tipo diferente de comida. Assim que terminou sua história, pensou ouvir outra voz, vinda de cima, como se estivesse saindo do amanhecer que dizia: 

-Velho homem, que fazes ai sentado? Estou me contando minha própria história« respondeu o lenhador. -E como é? – perguntou-lhe a voz. O velho repetiu sua narração. Muito bem – disse a voz. E então recomendou ao velho lenhador que fechasse os olhos e subisse, como se houvesse um degrau. 

-Mas não vejo degrau nenhum – retrucou o velho. 

-Não importa, mas faze como te digo, ordenou a voz. O velho fez o que lhe era indicado. Assim que fechou os olhos, encontrou-se de pé e, ao levantar o pé direito, sentiu que sob ele havia alguma coisa como um degrau. Começou a subir o que parecia ser uma escada. De repente a escada começou a se mover muito depressa, e a voz disse: 

-Não abra os olhos até que eu te indique. Quase em seguida, a voz mandou que o velho abrisse os olhos. Ao  fazê-lo, viu que se encontrava em um lugar que parecia um deserto, com o sol queimante sobre sua cabeça. Estava rodeado por montes e montes de pequenas pedras de todas as cores: vermelhas, verdes, azuis e brancas. Parecia-lhe estar sozinho. Olhou em volta e não viu ninguém. Mas a voz recomeçou a falar. 

-Pega tantas pedras quantas puderes - disse - fecha os olhos e desce novamente os degraus. O lenhador fez como lhe foi dito. E, quando a voz ordenou que abrisse novamente os olhos, encontrou-se diante da porta de sua própria casa. Bateu à porta e sua filha atendeu. Ela lhe perguntou onde havia estado, e o pai lhe contou o que acontecera, embora a menina mal pudesse entender o que ele dizia, porque tudo lhe parecia muito confuso. Entraram em casa e a menina e seu pai compartilharam o último alimento que tinham: um punhado de tâmaras secas. 

Quando terminaram, o velho pensou ouvir uma voz que novamente lhe falava, uma voz exatamente igual àquela que o mandara subir os degraus. A voz disse: - Lembra-te de que estou sempre aqui.. Faze com que a minha história de nunca seja esquecida. Se assim fizeres e se o mesmo for feito por aqueles a quem contares esta história, as pessoas que tiverem verdadeira necessidade encontrarão seu caminho. 

O lenhador colocou todas as pedras que trouxera do deserto num canto de sua pequena casa. Pareciam muito com simples pedras e ele não soube o que fazer com elas. No dia seguinte levou seus dois enormes feixes de lenha ao mercado e os vendeu facilmente por ótimo preço. Ao voltar para casa, levou para sua filha toda espécie de deliciosas iguarias que ela até então jamais havia provado. E quando acabaram de comer, o velho lenhador falou: 

- Agora vou lhe contar toda história do Instrutor. Ele é o dissipador de todas as dificuldades. Nossas dificuldades foram dissipadas por ele e devemos sempre lembrar-nos disso. Durante quase uma semana, o velho homem continuou como de costume. Ia às montanhas, trazia lenha, comia alguma coisa, levava a lenha ao mercado e a vendia. Sempre encontrava comprador, sem dificuldades. 

Chegou então a quinta feira seguinte e, como é comum entre os homens, o lenhador se esqueceu de repetir a história do Instrutor. Nessa noite, já tarde, apagou-se o fogo na casa dos vizinhos do lenhador. Os vizinhos não tinham nada com que reacender o fogo. Foram à casa do lenhador e disseram: 

- Vizinho, vizinho, por favor, dê-nos fogo dessas suas maravilhosas lamparinas que vemos brilhar através da janela. - Que lamparinas? - perguntou o lenhador. - Venha aqui fora –responderam os vizinhos-, e veja. 

Então o lenhador saiu e viu, realmente, quantidades de luzes que, vindas de dentro, brilhavam através de sua janela. Voltou para dentro de sua casa e viu que a luz irradiava do monte de pedras que ele colocara em um canto. Mas os raios de luz eram frios e era impossível usá-los para acender fogo. Tornou então a sair e disse: 

- Sinto muito, vizinhos, mas não tenho fogo! - Os vizinhos ficaram aborrecidos e confusos e voltaram para casa resmungando. Mas aqui eles abandonam nossa história. Rapidamente o lenhador e sua filha cobriram as brilhantes luzes com quantos panos encontraram, com medo de que alguém visse o tesouro que possuíam. 

Na manhã seguinte, ao retirarem os panos, descobriram que as pedras eram gemas preciosas e luminosas. Levaram-nas, uma por uma, aos povoados vizinhos, onde as venderam por um preço muito elevado. O lenhador decidiu, então, construir um esplêndido palácio para ele e sua filha. Escolheram um lugar justamente em frente ao castelo do rei de seu país. Em muito pouco tempo, magnífico edifício havia tomado forma. 

Esse rei tinha uma linda filha que, um dia ao levantar-se de manhã, viu um castelo que parecia de contos de fadas bem em frente ao de seu pai, e ficou muito surpresa. Perguntou a seus servos: Quem construiu esse castelo? Que direito tem essa gente de fazer tal coisa tão perto de nossa moradia? 

Os criados saíram e foram investigar. Voltaram e contaram à princesa a história, até onde eles conseguiram averiguar. A princesa mandou chamar a filha do lenhador, pois estava muita zangada com ela mas, quando as duas meninas se conheceram e conversaram, logo se tornaram grandes amigas. Começaram a encontrar-se todos os dias e iam nadar e brincar no regato que fora construído para a princesa por seu pai. 

Alguns dias depois do primeiro encontro, a princesa tirou do pescoço um lindo e valioso colar e pendurou-o em uma árvore bem à margem do regato. Esqueceu-se de o apanhar ao sair da água e, ao chegar em casa, supôs que o tinha perdido. Repensando um pouco, a princesa convenceu-se de que a filha do lenhador havia roubado seu colar. Contou então, ao seu pai, que mandou prender o lenhador, confiscou-lhe o castelo e todos os bens que o lenhador possuía. 

O velho homem foi posto na prisão e sua filha foi internada num orfanato. Como era costume naquele país, depois de certo tempo, o lenhador foi retirado do calabouço e levado para a praça pública, acorrentado a um poste, com um cartaz dependurado no pescoço. No cartaz estava escrito: "Isto é o que acontece àqueles que roubam aos Reis”. 

A princípio as pessoas se juntavam em volta dele escarnecendo e atirando-lhe coisas. Ele se sentia muito infeliz. Logo, porém, como é comum entre os homens, todos se acostumaram a ver o velho ali sentado junto ao poste e quase nem reparavam nele. Ás vezes atirava-lhe restos de comida, às vezes não. 

Um dia ele ouviu alguém dizer que era tarde de quinta feira. De súbito veio-lhe à mente o pensamento de que logo seria a noite do Instrutor, o dissipador de todas as dificuldades, de que ele se esquecera de comemorá-lo já há muito tempo. No mesmo instante em que este pensamento lhe chegou à mente, um homem caridoso, que por ali passava, atirou-lhe uma pequena moeda. 

O lenhador chamou-o: - Generoso amigo você me deu dinheiro, que para nada me serve. Se, no entanto, sua generosidade for tanta para comprar uma ou duas tâmaras e vir sentar-se para comê-las comigo, eu lhe ficaria eternamente grato. 

O homem foi e comprou algumas tâmaras. Sentaram-se e comeram-nas juntos. Quando terminaram, o lenhador lhe contou a história do Instrutor.

- Acho que você deve estar louco - disse o homem generoso. Mas era uma pessoa bondosa que, por sua vez, enfrentava muitas dificuldades. Ao chegar em casa, depois desse incidente, verificou que todos os seus problemas haviam desaparecido. E isto fez com que começasse a pensar muito a respeito do Instrutor, mas aqui ele abandona nossa história. 

Logo na manhã seguinte, a princesa voltou ao lugar onde se banhava. Quando ia entrar na água, viu algo que parecia ser o seu colar deitado no fundo do regato. No momento em que ia mergulhar para tentar recuperá-lo, espirrou. Indo sua cabeça para trás, com o espirro, viu então que o que tomara por seu colar era apenas seu reflexo na água. O colar estava pendurado no galho da árvore, onde o deixara havia muito tempo. 

Apanhando o colar a princesa correu alvoroçada à presença de seu pai e lhe contou o que acontecera. O rei ordenou que o lenhador fosse colocado em liberdade e que lhe fossem apresentadas desculpas públicas. A menina foi trazida do orfanato e todos viveram a felicidade suprema. Tarde de quinta feira... 

Na Cozinha, enquanto preparava o almoço da minha filha, a História do Instrutor veio à mente...Etérea, mas curiosa...Voltei a ela tarde de quinta feira... Tâmaras com alguéns...Tarde de quinta feira . Somos assim :)

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